quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O beijo da mulher aranha (e os melhores do ano)

Já que 2012 está acabando, decidi fazer uma listinha dos melhores livros que li esse ano. Acho improvável que eu vá terminar mais um até o dia 31, mas até agora contabilizei vinte e sete livros lidos (lista completa aqui) e separei esses oito que foram os top top da balada. Espremi bastante pra ficar só com esses, porque teve muita coisa boa esse ano.

O beijo da mulher aranha
O paciente inglês
Persépolis
Carta ao pai
The perks of being a wallflower

Vou tentar escrever sobre cada um deles. Hoje é dia de:

O beijo da mulher aranha
Autor: Manuel Puig
Ano: 1976
País: Argentina

"– Por un minuto sólo, me pareció que yo no estaba acá, ...ni acá, ni afuera…
– …
– Me pareció que yo no estaba… que estabas vos sólo.
– …
– O que yo no era yo. Que ahora yo… eras vos."

(– Por um minuto apenas, me pareceu que eu não estava aqui... nem aqui, nem fora...
– ...
– Me pareceu que eu não estava... que só você estava aqui.
– ...
– Ou que eu não era eu. Que agora eu... era você.)



Escrito por Manuel Puig em 1976, O beijo da mulher aranha é um romance que conta a história de dois companheiros de cela, presos durante a ditadura de um país latino. Proibido na Argentina na época – justamente quando a democracia havia acabado de ser derrubada de novo, depois de apenas três anos desde o fim da última ditadura -, o livro ressalta a fluidez da língua espanhola com a estrutura da narração, que consiste basicamente em diálogos.

Em 1985 foi lançada a aclamada adaptação cinematográfica do livro, roteirizada pelo próprio autor e dirigida por Hector Babenco. Uma produção Brasil/EUA – e, portanto, infelizmente toda falada em inglês, o que tira um bocado da magia da coisa – que rendeu quatro indicações ao Oscar (inclusive Melhor Filme) e pelo qual William Hurt foi premiado como Melhor Ator pelo papel de Molina.

Ao assistir o filme logo depois de ler o livro, no entanto, a impressão que ficou foi a de superficialidade – ainda que, bem, tenha sido o próprio Manuel Puig que tenha escrito o roteiro. Talvez eu devesse apenas ter feito o contrário, e assim o livro aprofundaria a visão que eu teria do filme. De qualquer forma, O Beijo da Mulher Aranha não é um filme ruim, mas em comparação com o livro perde muito da sutileza e do jogo de ambiguidades que o caracteriza. Não deixa de ser incrível finalmente ver em imagens os fragmentos de conversas sem qualquer descrição adicional que lemos no livro, mas de algum modo as entrelinhas se perderam na transposição de uma linguagem pra outra.

A obra de Puig trabalha muito em cima de paralelos entre os personagens – a começar pela escolha dos protagonistas, que a um primeiro olhar parece tão destoante. Valentín Arregui, preso político, duro e objetivo, tem dificuldades em entender o delicado companheiro Molina, homossexual, preso por se envolver com um menor. Molina constantemente procura fugir da realidade, se refugiando nas lembranças de filmes que gosta e os contando para Valentín para distrai-lo.

Um exemplo claro desse paralelismo acontece quando Molina narra o seu filme preferido. Valentín percebe que é uma propaganda nazista, mas seu companheiro, apesar de também saber disso, acredita que é a beleza do romance dos protagonistas o que realmente importa.

Essa característica sentimental de Molina o define fortemente em contraste com Arregui, que coloca a luta acima de tudo. No entanto, Puig trabalha com essa dualidade direcionando-a para um fim comum: o mundo de Molina, sua lógica e suas motivações, o aproximam cada vez mais da realidade crua – para a qual, talvez, não estivesse preparado, mas antes entregue -, enquanto a dura realidade de Valentín esbarra cada vez mais no sentimento e na negação em se tornar um mártir. Essa fusão atinge o clímax em um final dúbio e fantástico digno de um filme que o próprio Molina poderia ter concebido.

Durante a leitura, essas entrelinhas que mostram o quanto as personalidades de Molina e Arregui se aproximam, mesmo sem parecer, ficam cada vez mais claras à medida que o conflito se intensifica. Puig se joga na metalinguagem ao fazer um paralelo não somente entre os personagens, mas também entre a própria história e as histórias-dentro-da-história, que são os filmes detalhadamente narrados por Molina. Numa cela de prisão, no meio da realidade cruel de uma ditadura, dois prisioneiros que aparentemente têm interesses completamente diferentes descobrem um no outro uma relação genuína de amizade, amor e aprendizado que os torna um só.

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