Eu estava na biblioteca outro dia, procurando um livro leve pra ler e procrastinando os outros cinquenta que estão esperando aqui em casa, quando me deparei com Filadélfia. Fiquei surpresa porque não fazia a menor ideia de que era um livro e dei uma folheada pra ver se era a mesma história ou só um título igual. E aí fiquei mais surpresa ainda quando vi, na capa, escrito assim: "Baseado no roteiro de Ron Nyswaner".
Não consigo lembrar agora de nenhum livro que eu tenha visto que tenha sido baseado no roteiro de um filme; já vi, claro, os roteiros comercializados em livros (Bastardos Inglórios, Educação, etc), mas só. Daí a minha surpresa, já que automaticamente penso que o livro vem antes do filme. Então beleza, resolvi pegar.
Li em dois dias, sofrendo muito.
Gente.
Que livro horrível.
Pra ser justa, o problema não está no plot - e nem poderia, né, porque o plot já existia e o filme é muito bom. O que o autor - Christopher Davis - fez foi, basicamente, dar uma romanceada no roteiro do filme, mas eu achei essa adaptação super cagada. Mais uma vez tentando bravamente ser justa, é provável que boa parte do problema esteja na tradução (cagadíssima) e na edição (inventem um superlativo para "cagadíssima" e apliquem nesse caso).
Filadélfia é um daqueles raros casos em que fiquei com raiva do livro; porque ele tinha potencial pra ser muito bom, mas é extremamente superficial. Se eu tivesse lido antes de ver o filme, o efeito teria sido melhor, but still. Ah, estou sendo mal-educada, deixa eu dizer do que, afinal, se trata a história.
Filadélfia
Autor: Christopher Davis
Ano: 1993
País: Estados Unidos
Sinopse: Andrew Beckett é um excelente advogado que trabalha numa firma super importante de advocacia (orly). Um dia seus chefes colocam nas suas mãos um caso importantíssimo, e tudo vai bem até uma possível sabotagem que o fez parecer incompetente. No dia seguinte, Andrew é demitido, mas ele percebe que a sabotagem foi uma desculpa para demiti-lo por conta da AIDS que, até então, ele estava conseguindo esconder dos patrões. Depois de ser recusado por um monte de advogados, ele consegue a ajuda de um relutante Joe Miller, um advogado preconceituoso que tem indenizações como especialidade, para processar a firma que o demitiu.
O filme teve Tom Hanks e Denzel Washington nos papéis de Andy e Joe, respectivamente, e assim como o livro, foi lançado no começo da década de noventa. O contexto você pode imaginar: epidemia de AIDS e uma falta de informação gritante sobre a síndrome; uma ignorância que potencializava (e, a bem da verdade, ainda potencializa) a homofobia. O fato de Joe ser negro serve de contraponto ao seu próprio preconceito; diversas vezes ele se pergunta como caralhos pode ser tão intolerante tendo ele mesmo sofrido discriminação na vida, ainda que por motivos diferentes. Em outras palavras, a história é um prato cheio de temas importantes e nada tem de levinha.
Agora vou tentar explicar direto por que, afinal, o livro é tão ruim.
É de se pensar que deve ser necessário fazer um esforço muito grande pra errar a mão numa história que já estava pronta, mas nem acho que seja o caso. Roteiros usam uma linguagem diferente e, sinceramente, nunca tive paciência para lê-los. O que posso imaginar de mais óbvio seria a linguagem do livro ficar meio teatral, mas também não foi o caso. Ficou só superficial. Me deu a impressão de que o autor pegou as falas do roteiro e criou um enchimento de descrições entre cada uma delas pra que a coisa soasse como um romance, mas não funcionou muito bem. E eu não sei explicar isso de um jeito mais específico, mas o modo como ele amarra as sequências de acontecimentos - por exemplo, o fim de um capítulo pra outro - faz tudo parecer uma fic. E uma fic ruim.
Tinha uma outra coisa também que me irrita muito em qualquer livro em que isso aconteça, e não sei dizer se no original já é assim ou se foi coisa da edição, mas dá uma olhada nesse trecho:
"(...) Nunca lhe acontecera antes, e a primeira pessoa a pôr as mãos nele, com raiva, porque ele era gay, tinha de ser um advogado no lado gay de uma causa que vinha recebendo a maior publicidade."
É, a palavra "gay" está em itálico nas duas vezes em que aparece. Aí você pensa que pode ter sido porque, nessa situação específica, o autor queria realmente enfatizar a palavra, mas não. TODAS as ocorrências da palavra "gay" estão em itálico no livro, e isso é um negócio que me irrita muito. Como também aconteceu com outras palavras (drugstore, por exemplo), eu acredito que tenha sido treta da edição, mas mesmo assim é um negócio muito chato. Além de quebrar o ritmo em que eu tô lendo, ainda coloca uma ênfase desnecessária numa palavra que, por si só, tem mais background do apenas ser escrita em inglês. Me parece que colocar gay em itálico toda vez que a palavra aparece é exotificar o seu significado, como se estivesse falando de algo totalmente alheio à realidade e às pessoas em geral - e contribui para isso o fato de que pouquíssimas outras palavras receberam esse tratamento (de cabeça mesmo, só lembro de drugstore).
Ah, além disso, tem umas tosquices na tradução também (falsos cognatos traduzidos literalmente, por exemplo) e toda frase iniciada com O tem um zero no lugar da letra. Ah, e o autor usa o termo "homossexualismo" no lugar de "homossexualidade". Oh well.
Algumas partes soam como registros jornalísticos, outras soam como nada mesmo. O companheiro de Andy, Miguel, é retratado quase como um estereótipo do latino ingênuo de sangue quente, mas não posso dizer muito em sua defesa no filme porque não fiquei com nenhuma impressão marcante do personagem do Antonio Banderas. A relação de Joe com a homofobia também podia ter sido melhor retratada.
Um pontinho para o livro: as menções ao sexismo. Não lembro de ter ouvido alguma no filme. Mas, de modo geral, essa leitura não foi a melhor das experiências, rs.
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